A saudade que mais maltrata a gente,
Quando a gente se encontra em terra alheia,
É ouvir um trovão para o nascente
Numa tarde de março às quatro e meia.
A zoada do rio. A orla da corrente
Fazer lindos castelos na areia,
Uma torre cobrindo o sol poente,
Uma serra pra cá da lua cheia.
Um vaqueiro aboiando sem maldade
Com saudade do gado, – e com saudade,
O gado urrando ao eco do vaqueiro.
O cantar estridente da seriema,
E o “cachimbo” da velha Borburema
Nas manhas invernosas de janeiro.
O Sol desponta ruivo cor de gema,
Iluminando o pico magestoso,
Do gigantesco dorso sinuoso
Da tão acidentada Borborema.
No sopé da montanha geme a ema,
E embaixo o terreno podregoso,
Ouve-se o canto ingênuo e harmonioso
Da inocente pernalta, a seriema.
Chove,troveja, e o vento forte agita,
A flora se sacode, a fauna grita,
Um raio irado desce e a penha abre.
Agora é tarde, o Sol rubro descamba,
E rodopiando como roda bamba
Apaga a luz detrás da Serra-Jabre.
Um moleque no corte assobiando,
Um cavalo pastando na ladeira,
Uma briga de bois na bagaceira,
E um boeiro malfeito “cachimbando”.
Um novilho pé-duro ruminando
Na sombra do oitão da bolandeira,
Um telhado coberto de poeira,
E um rebanho de ovelhas descansando.
Dois bois mansos criolos atrelados,
Parecidos em tudo, emparelhados,
Vão puxando a almanjarra sem preguiça.
Enquanto várias campesinas belas
Aparecem cantando nas janelas
Duma casa de alpendre à tacaniça.
Nasci! De onde vim é que não sei,
Enfim também não sei para que vim,
Se vim para voltar para que fiquei
Neste intervalo de incerteza assim?
Não foi do pó fecundo que brotei,
Não sei quem tal missão me impôs.
O acaso não foi, já estudei…
Desta incumbência desconheço o fim.
Sou a metamorfose das moneras
Desagregadas nas primeiras eras,
Reunidas hoje nesta luta infinda.
Sou a passagem irreal da forma
Submetida aos desígnios da norma,
Do meu princípio não sei nada ainda.